O AMOR QUE ACABA (AINDA É AMOR)
Um novo tipo de celebração viceja entre os circuitos modernos e antenados da cidade: a festa para comemorar o divórcio. Adotada essencialmente pelas mulheres, é uma espécie de despedida de casada. Brinda-se ao fim de um relacionamento, com a presença do ex, de modo civilizado, dividindo as despesas, ou à revelia dele, o que torna a festa muito mais divertida para a mulher que se liberta do marido – e suas convivas. Liberdade que nasce, desvairada, da ausência prolongada de felicidade em uma relação a dois.
O casamento está com os dias contados. E, ao que parece, até que ele caia no esquecimento, teremos que nos familiarizar com essa ideia de, ao final, comemorar a alegria efêmera da separação. Se for mesmo essa a evolução do matrimônio, então caímos numa armadilha, perpetrada pelo sentimento mais almejado entre nós – o amor, sublime amor.
Durante eras, casamentos arranjados foram a regra. E a ideia de uniões determinadas por contrato, com normas a serem seguidas, ainda persiste em algumas culturas. Relatos de viajantes europeus, colhidos no início do século passado, falam sobre uma tribo árabe em que a fidelidade ao marido dependia do dote que este daria à família da noiva. Um presente modesto poderia restringir a fidelidade da mulher a apenas três dias da semana. Os viajantes não souberam explicar, porém, o que a esposa casada nesses termos fazia em seus dias de solteira, se por acaso poderia dar atenção a um amante ou mesmo a uma outra família.
Num passado não muito remoto, uniões motivadas pelo amor recíproco eram exceções. Em algum momento, porém, a sociedade evoluiu para a aceitação do casamento por afeto. E aí, como lembra o filósofo francês Luc Ferry, o tempo médio de duração do casamento caiu drasticamente.
Como os casais passaram a se juntar por amor, à medida que esse amor não mais existisse, homem ou mulher se sentiam confortáveis para terminar o vínculo, mesmo que essa atitude tivesse impactos como a desintegração da família, a partilha dos bens e, muitas vezes, uma mágoa profunda. Em casos extremos, o ódio como herança, muito mais potente que a fagulha que deu início à relação.
Muitos filósofos já se debruçaram sobre a ascensão e queda das paixões. O alemão Georg Simmel afirmava que o amor morria pela realização do desejo. Ou, como disse Schopenhauer, muito antes de Simmel, o amor não passa de impulso sexual. Mas é bom desconfiar dos filósofos, sobretudo os cínicos e desiludidos, como Schopenhauer (prefira as sábias palavras de Boy George – “amor é amor e não é nada sem você”).
Homens, mulheres, participantes de reality show, todos no fundo reconhecem que o amor nos espreita de diversas outras maneiras. É maior do que qualquer outra de nossas vontades, a despeito da desconfiança generalizada que nutrimos pelo outro, e mesmo levando em consideração toda a dor que sabemos que um relacionamento amoroso irá nos causar. Pois a separação é inevitável: virá assim que cesse o fascínio que nos arrastou para um novo e complicado turbilhão emocional.
Se fosse arriscar algum tipo de filosofia barata, diria que não há significado na vida, exceto a descoberta do amor e de suas variáveis – a amizade, a solidariedade, a gratidão. Mas o sentimento verdadeiro, que não precisa de recompensas, é um milagre que poucos alcançam. Ainda assim, amores não-correspondidos ou não-realizados valem a pena.
Não deixa de ser valioso, portanto, o amor que se usufrui e que de repente se extingue, a ponto de se tornar motivo de celebração. Brindemos, pois, sem pudores.
Porque, no final das contas, o amor que acaba continua sendo amor.
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