Eu sou um cargo – se você teve o azar de cruzar com esse chato muito comum, que gosta de se apresentar para todo mundo, vai identificar imediatamente a conversa do sujeito. “Eu faço isso, faço aquilo, já colaborei com fulano, fui professor de sicrano”. A lista de ocupações e projetos do chato é infindável. Como se a gente estivesse realmente interessado na vida dele.
Filósofo tardio – indivíduo de chatice discreta, mas bastante assíduo em mesas e eventos literários. O debate já está acabando, a plateia já fez todas as perguntas possíveis, todo mundo quer conversar com os autores na saída ou fazer uma pausa, mas ele, insensível ao clamor do público, levanta a mão, toma o microfone, rumina um discurso desconexo e faz o convite: “Gostaria de propor uma reflexão”. Nunca falha. Piora quando o chato está sentado ao seu lado.
HOMEM-PLACA
O homem-placa estava de bobeira no viaduto do Chá, fazendo troça com os amigos, quando outro homem-placa lhe empurrou com força. Viu-se em pleno ar, desabando com placa e tudo rumo ao chão de granito do Anhangabaú. Num ato de desespero, estendeu os braços agarrados às placas e elas inesperadamente o salvaram. Eram como asas, e ele fazia ali, sem querer, seu vôo inaugural de celebridade, assunto principal no noticiário da tevê. Deixou a vida nas ruas e ganhou os ares. Primeiro achou que seria útil no trânsito. Ajudava velhinhas a atravessar a rua, fazia as vezes de ambulância, levava feridos até o hospital. As crianças apontavam: “homem-placa, homem placa”, e se abalavam para acompanhá-lo do chão, ele lá em cima encabulado em seu sonho de quem descobre novas proezas. Depois, mais confiante, voltou-se para missões mais arriscadas. Pairava sobre seqüestros, assaltos e tiroteios, pronto para o rasante salvador. Apenas na madrugada, saudoso de outros tempos, ousava descansar sentado no ant...
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