O CHAMADO

Precisava de um telefone público. Na esquina em frente ao Copan, perto de sua quitinete, tinha um orelhão que haveria de servir. Foi o primeiro de tantos que iria explorar.Encarou os adesivos que cobriam o fone. Uma profusão de nomes, demoníacos, convidativos, se espalhavam por todo o orelhão, como se fossem um obsceno papel de parede. Samanta, colegial iniciante. Luana, bunduda. Simone e Renata, dupla insaciável. Nicole, oral até o fim. Escolheu um deles e descobriu um mundo de possibilidades.- Oi amor – disse a voz sussurrante. Em cinco minutos de conversa, foi às alturas.Logo escolheu outro, e mais outro.- Hoje estamos sozinhas, eu e mais três amigas. Por que você não vem brincar com a gente?Ele não ia. Só gostava da conversa sacana. E dos anúncios: Tamara, coroa vadia. Keiko, massagem e algo a mais. Gabriela, mulata bombom, meiga e carinhosa. Chegava a acariciar o fone, quando encontrava uma dessas do outro lado da linha.Começou a ligar sempre que podia. Na hora do almoço, corria desabalado para o orelhão. O dono do restaurante que freqüentava começou a ficar desconfiado. Precisou se acudir com outros aparelhos, e ai de quem quisesse usar aquele telefone naquele dia. O homem de bons modos, agora um tarado convertido, chegava a rosnar para velhinhas, e ameaçava as crianças que vinham, por acaso, atrapalhar suas chamadas.Aos fins de semana, escolhia lugares diferentes para exercitar o vício. Brigadeiro com Paulista, Vila Mariana, Luz, Santa Cecília. Brigava por espaço com os mendigos da Praça Roosevelt. Onde houvesse um bom orelhão enfeitado com os recados de suas meninas, ele poderia estar, curvado sob a proteção do compensado, o indicador fazendo voltinhas no fio do aparelho, o rosto ora quase apoplético, ora prestes a ter um espasmo. Já tinha um repertório de respostas picantes, que prolongavam a conversa e faziam as mulheres soltar a imaginação. Gisele, a ninfomaníaca (“estou carente!”); Vivi, a ninfetinha (“quero dar pra você bem gostoso”); Paola, a devoradora (“me parte ao meio, sou sua cachorra”). Aquelas mulheres era agora sua diversão, sua ruína. Que quase veio no dia em que lhe pegaram no trabalho, ligando, num arroubo de insensatez, para um número suspeito.Precisava fazer alguma coisa urgentemente, alguma coisa que o livrasse daquele desatino. Achou que estaria curado se visse a mulher enquanto falasse com ela. Perderia o mistério e ele voltaria a ser o que era antes. Escolheu a recepcionista de olhar convidativo para lhe ajudar naquela missão. Estava tão obcecado que não percebeu que o episódio da ligação havia lhe rendido uma certa aura de homem chegado à safadeza. A recepcionista de belas formas se sentiu no dever de conferir se aquela súbita reputação seria mesmo justificada.Na quitinete quase sórdida, sentaram-se de frente, cada um com um celular. Ele teclou o número da amiga e a conversa começou:- Então gostosão, tá a fim de uma brincadeira – ela provocou.Ele permaneceu na dele, só respondeu:- É, vamos ver. Pode ser.Incentivada pelo inusitado da situação, a mulher continuou seu jogo, sedutora. Usou todas as armas e, impossível negar, começou a ficar excitada. Balançou a cabeça, tocou os ombros, manipulou o celular de um jeito lascivo e nada. Quando começou a molhar os lábios e salivar de excitação, o homem percebeu que estava curado.- Acho que deu – disse ele, aliviado. O encanto havia se dissipado. Ela começou a recolher suascoisas, o rosto carregado pela decepção.No caminho até o metrô, o homem estava exultante. Tinha conseguido se libertar daquele vício avassalador. A mulher estava em silêncio, muda diante da empolgação dele. Despediu-se um tanto tensa, e enquanto descia a escada rolante da 7 de abril, pensou que nunca mais aquele homem iria merecer um olhar seu. Ele ficou observando-a, satisfeito consigo mesmo, pela sua esperteza em ter lançado mão daquela estratégia.Não haveria mais ligações. Poderia fazer sexo de verdade agora. Era só encontrar uma mulher que estivesse a fim.

Comentários

Laura Fuentes disse…
Tou rindo até agora. Do caramba essa sua história...Tem homem que é cego, né?
A propósito, bom ter você de volta às letras.

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