PÉ NA ESTRADA - OU NÃO, NECESSARIAMENTE
O que Jack Kerouac pensaria do metaverso? Teria ele disposição para se conectar ao espaço virtual e desvendar realidades paralelas e aumentadas, sem sair do lugar? Ou não abriria mão do modo tradicional de exploração de novos territórios, que exige um carro e a poeira de uma estrada?
Difícil imaginar, mas o autor de On the Road era, com certeza, um observador por natureza. Para começar, não sabia dirigir, então provavelmente viajou de carona em todas as suas decantadas aventuras. Admirava os amigos que agiam por impulso, como se a vida fosse acabar no próximo instante. Ele flertou com a Marinha e o futebol americano, mas desde muito cedo já se considerava um escritor – o que o coloca automaticamente na categoria de voyeur.
Talvez Kerouac hoje logo estaria de posse de um capacete e de óculos de realidade virtual e se adaptasse sem maiores problemas às ideias futuristas de Zuckerberg.
Jack faria 100 anos no próximo dia 12 de março. Morreu com apenas 47, esquecido e amargurado, na casa da mãe. Escrever um livro que seria muito mais comentado do que lido foi um fardo pesado demais para ele.
Pé na Estrada é considerado a obra-prima em prosa da geração beat. O romance, que aguardou quase uma década até ser aceito por uma editora, desvenda o espírito da época, conforme ressalta a primeira crítica respeitável que recebeu, no ano de sua publicação, em 1957 (enquanto isso o nosso JK, aqui nos trópicos, criava uma capital no horizonte desolado do cerrado, e o Brasil nunca mais seria o mesmo. Mas essa é outra história).
O tal espírito absorvido por Kerouac em suas andanças, e em sua criação, era libertário. Tudo estava aberto à experimentação – inclusive a literatura, tendo o próprio modus operandi de Kerouac como exemplo: a escrita espontânea, frenética e urgente; o improviso inspirado no jazz; e a chamada autoficção (Dean Moriarty, o anti-herói de Pé na Estrada, é decalcado no parceiro Neal Cassidy, um vagabundo iluminado que andou com quase toda a turma beat; e o personagem principal, Sal Paradise, ao que consta, é o próprio autor).
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