UMA ÚLTIMA DANÇA*

Camila dançava naquelas plataformas coloridas do My Love, debaixo de um feixe de néon. Era loira tingida. A cintura ficava rebolando bem na minha linha de visão, o olhar dela enviesado, pairando por cima da minha cabeça, me enviando sinais. Me pegou pelas mãos no intervalo entre uma música e outra, me levou pro fundo da boate. Não tenho cliente, só venho aqui dançar, ela disse. Só saio com quem eu gosto. De mim ela gostou.
Logo a gente se juntou na quitinete que ela pagava com o dinheiro da dança nos cabarés. Eu continuava na putaria, e isso machucava Camila. Ela ansiava por homem sincero e fiel. Nada disso aconteceu. Uma morena tentadora surgiu, de boca carnuda. Explicar como pra Camila que havia me enrabichado por outra mulher?
Fiquei imaginando os olhos tristes dela na hora do adeus. Mas Camila não deu o braço a torcer. Só lançou promessa de maldição, dizendo que a gente ia se encontrar outra vez. Vai pagar caro pela desfeita, ela avisou. Disse isso e me fez sumir na calçada suja da rua Augusta. Sem demora procurei a morena, mas os lábios dela já tinham outro dono. E eu não tinha mais as coxas de Camila como refúgio. Não tinha nem mesmo foto dela guardada na carteira. Carreguei comigo só a lembrança daqueles dois olhos, esperando que um dia a gente se encontrasse outra vez. Como ela havia profetizado. E quando Camila já era tinta gasta esperando avivamento, soube dela em outro inferninho. Não era o melhor puteiro da cidade. Mas era lá que ela trabalhava.
Não tenho remédio agora a não ser entrar na rua deserta, com passo planejado. Quem havia garantido que ela estava ali tinha rabiscado tudo com letra torta, endereço gravado às pressas num pedaço de papel. O nome dela era diferente. Mas a descrição era da mulher que eu perseguia.
Na frente da casa, de janelas fechadas, pequenininhas, daquelas que se abrem para fora, o titubeio. A entrada no lugar é sempre o mais difícil. Será mesmo ali que ela atende? Tocar a campainha e esperar. O coração palpitando, quase saindo da boca. Só uma mulher poderia fazer aquilo.
Lá dentro aumenta minha pressa. Engulo o drinque de uma vez enquanto espero Camila. Do sofá desbotado, vejo que ela vem sorridente, combinação vermelha. Mas havia envelhecido, era pintura esmaecida. Fica muda quando topa comigo. Na boca um deserto. Queria que fosse tempestade. Que ela dançasse com olhos gulosos, como naquela plataforma no lusco-fusco do My Love. De novo me sinto atraído por aquelas coxas. Mas Camila agora não dança mais. Cobra para ir pro quarto, com qualquer um que tenha dinheiro e disposição.
Subimos para o cafofo. Por um instante, ela volta a sorrir sem motivo, talvez pensando na vingança, lembrando com gosto do que havia me prometido na nossa despedida. “Do que você tá rindo?”, eu pergunto, acomodado na cama. Mais vestido do que deveria. Ela não responde, se encolhe toda naquela sua combinação. A mesma descrita pelo informante. Ele tinha falado também do bumbum avantajado, da buceta rosada, das pernas grossas que ela enrola na toalha gasta de tanto enxugar porra. Vai tomar banho, uma ducha demorada. Ainda guardava segredos.