UM VERÃO RADIANTE
Será um verão radiante. Teremos celebrações acaloradas, grandes mesas repletas de comida, brindes aos quais responderemos sem pensar. O abraço pronto para ser deflagrado, lágrimas nos cantos dos olhos que teimaremos em esconder. Dormiremos abraçados a inebriantes lembranças, certos de que, ao despertar, não faltará amor.
Teremos virtudes corrompidas, perigosas indulgências. Reputações cairão por terra, amizades serão destroçadas. Mas ainda assim prevalecerá o amor.
E haverá gestos mesquinhos, ressentimentos familiares, mais uma briga com o vizinho, a recusa de uma esmola. E mesmo que não seja evidente, haverá amor.
A mulher descobrirá que nutre o mais profundo desprezo pelo marido, enquanto ele leva pelo braço a criança embevecida até o mar. Contudo, ao ritmo das ondas que lamberão seus pés, não faltará amor.
Alguém cometerá um crime hediondo, logo estampado com gosto nas capas dos jornais. Então homens e mulheres, cheios de rancor, clamarão por vingança e justiça cega para o assassino. Mas mesmo eles à noite em suas preces irão suplicar pelo amor.
E os mesmos homens e mulheres pela manhã se acotovelarão entre os corredores de supermercados, em busca de promoções, da bebida barata, da carne tentadora. E sem que nenhuma prata lhes seja pedida em troca, eles encontrarão, dissimulado entre gôndolas, o precioso amor.
Um mendigo acordará sozinho diante do mar no dia de Ano Novo, em meio à sujeira de fogos e champanhes vagabundas na areia. E quem sabe, com sorte, ele ainda acreditará no amor.
E ainda trôpegos pelas celebrações da véspera, os banhistas serão vítimas do arrastão, da fúria dos desajustados, que chegarão das favelas para tomarem seu quinhão. Mas logo baixada a poeira do pânico, entre os horrorizados corações alguém se levantará para dizer: “Vejam, ainda nos restou o amor.”
Uma menina caminhará preocupada no calçadão, após ter sido embebedada e perdido a virgindade numa festa. Outra surgirá em sentido contrário, sonhando com o próximo encontro de uma nova paixão. E não mais as veremos. Só teremos a – certeza? – de que logo elas encontrarão o aguardado amor, decerto toparão com ele ali mesmo, naquela tarde escaldante. Seremos profetas.
E na presença dele, o amor, nós provaremos da compaixão de nós mesmos, nos reconhecendo tolos, imperfeitos, inapelavelmente incompletos. Sorveremos a cura efêmera e, ainda perplexos com o súbito renascer, na certeza da reconciliação com nossa paz de espírito, estaremos prontos para voltar, ao alto da montanha, onde a vida na grande cidade nos aguarda, indiferente à nossa pretensa purificação.
Será um verão glorioso, radiante e pleno de amor.
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