PARA LER DE CORAÇÃO ABERTO

O texto a seguir é o prefácio que escrevi para o livro Cartas Pungentes, do amigo Luiz Antonio Papp, entusiasta do hábito de escrever cartas.
Quem já recebeu uma carta pungente, daquelas que te elevam, fazem pensar ou chorar, certamente não se desfez dela. Guardou-a cuidadosamente em algum lugar. Portanto, há milhares de lugares especiais onde repousam escritos que, de alguma forma, transformaram vidas. Cartas célebres acabam virando livros e neles ficam guardadas, esperando serem descobertas por leitores ao longo dos anos. O mais famoso livro que encerra um conjunto de cartas é certamente o Novo Testamento. As chamadas epístolas demandaram anos de criação e são destinadas a várias comunidades da época. Convencionou-se afirmar que o apóstolo Paulo escreveu boa parte delas, mas sabe-se que outros escritores, como Timóteo e Silas, ajudaram o ex-fabricante de tendas a criar os textos que ficariam eternizados nas Escrituras, num espírito colaborativo que, de certo modo, ressoa aqui, neste livro, idealizado pelo inquieto Luiz Antonio Papp. A salvação é tema central nas cartas do Novo Testamento. Elas são exaltações de fé, concebidas para serem lidas em voz alta, a fim de que a mensagem se espalhe e atinja o maior número possível de pessoas. Evidentemente, a maneira como recebemos hoje essa mensagem não é a mesma de dois milênios atrás. E não se trata aqui do modo como ela é transmitida, uma vez que – e isso não deixa de ser relevante no contexto deste livro – as cartas hoje são lidas na imensa maioria das vezes na tela do celular ou do computador. O ponto principal é que a medida do propósito de uma carta se tornou algo muito mais complexo. De onde ela surge? Que sentimento está na origem de uma carta? O que motiva alguém, nos dias de hoje, a sentar para escrever uma carta pessoal? Voltando aos nossos autores do Novo Testamento: como eles escreveriam hoje suas cartas? A própria noção do que é exatamente a salvação, tão clara, tão nítida para os apóstolos, se tornou muito mais complexa. Deus continua em todos os homens. E em todos os lugares. Ele se multiplicou. Desde o início deste livro-projeto, compreendi que a intenção de Papp não era ser uma espécie de guru ou mentor, mas sim resgatar a ideia da carta como uma demonstração de apreço pelo outro, em um gesto a ser replicado. Um convite para o antigo que é uma abertura para o novo, à medida que a carta, esquecida num mundo dominado pela tecnologia digital, se torna relevante em oposição ao imediatismo que rege nossas relações com o outro nesse mundo. Quem sabe o exemplo deste livro possa ser, à sua maneira, um caminho também para a salvação, não aquela divina e perene das Escrituras, mas a salvação diária, a do perdão, da gentileza, da compaixão e da empatia, tão difícil de ser perseguida e encontrada nos dias atuais. Agradeço o gentil convite para participar do livro – nele inclui, a pedido do autor, um texto póstumo que escrevi para meu pai, o que me faz o primeiro colaborador do projeto. E encerro compartilhando a seguir trecho de uma das cartas mais belas que já li: o poema A um varão, que acaba de nascer. “Para amar sem motivo e motivar o amor na sua desrazão Pedro, vieste ao mundo. Chamo-te meu irmão.” (Carlos Drummond de Andrade, em Claro Enigma)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

HOMEM-PLACA

O AMOR QUE ACABA (AINDA É AMOR)

AUTOFICÇÃO DE VERDADE I - SEBASTIÕES