Um grande, generoso amigo me deu a honra de acompanhá-lo em uma jornada há tempos, em Curitiba. Era época da resistência contra o golpe que interrompeu um governo democraticamente eleito e colocou na cadeia um homem do povo. O “bom dia presidente” era um gesto de esperança e de solidariedade.
Não entendi à época o significado de estar ali, acenando para um presidente encarcerado. Não honrei meu compromisso com o amigo, não o acompanhei até o acampamento. Preferi flanar pela cidade, que conheço razoavelmente, por razões afetivas. Tenho nessa terra gélida um histórico de paixões não-correspondidas. Sei que em algum ponto nesse horizonte nevoento se escondem as marcas de um amor que resiste, que se equilibra entre o desencanto e a ansiedade de um encontro que nunca vem, nunca acontece.
HOMEM-PLACA
O homem-placa estava de bobeira no viaduto do Chá, fazendo troça com os amigos, quando outro homem-placa lhe empurrou com força. Viu-se em pleno ar, desabando com placa e tudo rumo ao chão de granito do Anhangabaú. Num ato de desespero, estendeu os braços agarrados às placas e elas inesperadamente o salvaram. Eram como asas, e ele fazia ali, sem querer, seu vôo inaugural de celebridade, assunto principal no noticiário da tevê. Deixou a vida nas ruas e ganhou os ares. Primeiro achou que seria útil no trânsito. Ajudava velhinhas a atravessar a rua, fazia as vezes de ambulância, levava feridos até o hospital. As crianças apontavam: “homem-placa, homem placa”, e se abalavam para acompanhá-lo do chão, ele lá em cima encabulado em seu sonho de quem descobre novas proezas. Depois, mais confiante, voltou-se para missões mais arriscadas. Pairava sobre seqüestros, assaltos e tiroteios, pronto para o rasante salvador. Apenas na madrugada, saudoso de outros tempos, ousava descansar sentado no ant
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