TUDO OUTRA VEZ

Um grande, generoso amigo me deu a honra de acompanhá-lo em uma jornada há tempos, em Curitiba. Era época da resistência contra o golpe que interrompeu um governo democraticamente eleito e colocou na cadeia um homem do povo. O “bom dia presidente” era um gesto de esperança e de solidariedade.
Não entendi à época o significado de estar ali, acenando para um presidente encarcerado. Não honrei meu compromisso com o amigo, não o acompanhei até o acampamento. Preferi flanar pela cidade, que conheço razoavelmente, por razões afetivas. Tenho nessa terra gélida um histórico de paixões não-correspondidas. Sei que em algum ponto nesse horizonte nevoento se escondem as marcas de um amor que resiste, que se equilibra entre o desencanto e a ansiedade de um encontro que nunca vem, nunca acontece.
Por um momento você duvida do que não pode contestar. Pode um abraço durar dez anos? Pode ainda sentir o corpo desejado junto ao seu peito, depois de tanto tempo?
Mas Curitiba é pródiga em mudanças de tempo. O vento sopra a favor e pronto: um arranjo cósmico se insurge diante de nós e repentinamente nos induz a acreditar que duas pessoas podem estar conectadas por anos, sem ao menos trocarem uma palavra, aguardando o momento de se reencontrarem.
Abençoados aqueles que se alojam na sua memória, insistentes, perenes na lembrança de um tempo que não volta mais, acendendo a chama apaziguada. São excertos de vida, gatilhos de dor e alegria que ficam acumulados em algum canto da alma.