UM GÊNIO FORA DO SEU TEMPO

Entre aqueles que foram cancelados durante a pandemia por recusarem a vacina está um dos expoentes mais talentosos da música contemporânea – e aqui se entenda música de gêneros tão díspares quanto o folk, o blues e o jazz. O nome desse gênio negacionista é sir Van Morrison. A gente pode não concordar com suas posições. Mas não deve deixar de conhecer sua obra.
Chamar o quase octagenário Morrison de eclético é chover no molhado. Dizer que ele é estranho também. Ainda que o maior superstar do rock anti isolamento tenha sido Eric Clapton, Morrison não ficou atrás. Seguiu à risca sua fama de deslocado e decidiu não se curvar aos ditames antivírus.
“Desconvidado” de premiações, processado por seus discursos na contramão das evidências científicas, o irlandês se tornou um pária do show business. Não deixou, porém, de produzir, num ritmo admirável. Até em parceria com o “rebelde” Clapton ele gravou.
O curioso é que Morrison, defensor dos shows ao vivo sem restrição de público na pandemia, nunca foi muito fã de multidões. Em 1969, ele vazou de Woodstock, onde morava, ao saber que o lugar abrigaria um portentoso festival de música.
Em momentos mais sublimes, sua obra inspira a introspecção, desde o cultuado Astral Weeks, disco de 1968. O crítico americano Lester Bangs lembra com propriedade que Morrison, com seu cabelo ruivo e o vocal agressivo, já dava sinais de ser um tanto atormentado quando estava no Them, banda alçada ao estrelato com o hit Gloria.
Delicado, acústico, fora de seu tempo, Astral Weeks evoca uma evolução interior em plena efervescência política. Foi tão do contra ao espírito da época quanto outro lançamento que marcaria 1968, a estreia do Velvet Underground, em álbum homônimo.
Ouvir Astral Weeks talvez seja a chave para entender a mente desse artista fundamental.