O DILEMA DA CAIXINHA

(Publicada em 18.12.08, na Gazeta da Aclimação)
Chega o Natal e elas se proliferam – as caixinhas. Grandes, enfeitadas, discretas, diminutas, onipresentes. Estão na portaria do prédio, nos restaurantes, no estacionamento. Quem decide o formato que devem ter? Imagino os funcionários se reunindo para deliberar: este ano vai ser maior, o pessoal está mais generoso. Ou então, provavelmente uma voz mais lúcida recomenda caixinha menor, a crise está aí, difícil ignorar qualquer trocado, pouco sobra para gestos de desprendimento. Será mesmo? A marola da economia estremecendo o espírito do Natal? O fato é que as caixinhas já estão aí, silenciosas, intimidadoras, esperando a nossa manifestação de bom grado. Quase impossível ignorar seu apelo no bar em que tomo café todas as manhãs. O pão na chapa chega no capricho. O caixa sorri com mais intensidade, estimulado pela proximidade da caixinha, bem ali, ao alcance da mão. Daí você, sem perceber, já foi fisgado. Faço uma anotação mental que preciso reservar a caixinha dessa turma. Surge então o dilema: com quanto devo contribuir? Dez reais, vinte reais, talvez? Missão complicada decifraer o suficiente para não parecer pão duro, nem perdulário. Peso as consequências. Se der pouco dinheiro, fico marcado como mau freguês, digo adeus ao chorinho no café. Caixinha gorda demais também pode ser perigoso. Podem achar que a grana está sobrando e não quero ser o culpado por uma alta de preços no boteco. Decido seguir a maioria para não passar vexame. No outro dia, aguardo alguém dar a caixinha para poder observar a reação do caixa. Mas ninguém se habilita. Cedo demais? E se ficar tarde depois? Um pensamento sombrio súbito me acomete. Se o dinheiro minguar após ter saldado as dívidas, terei que sacrificar a caixinha e, consequentemente, mudar de bar. Na manhã seguinte, saio de casa decidido, mas, depois, já alojado no balcão, hesito. Será que vão me notar, vão se lembrar depois que contribui, na hora da partilha? Porque se não for assim, todo o esforço terá sido em vão. Levanto enfim e me dirijo para o caixa com duas notas na mão. “Esta é para a caixinha” é a fala cuidadosamente ensaiada. Saio do bar aliviados. Tudo funcionou como previsto. Mas é difícil se livrar desse negócio de caixinha de Natal. Enquanto espero o semáforo abrir a travessia, já começo a calcular o valor mais apropriado para deixar o pessoal do condomínio feliz.

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