O homem-placa estava de bobeira no viaduto do Chá, fazendo troça com os amigos, quando outro homem-placa lhe empurrou com força. Viu-se em pleno ar, desabando com placa e tudo rumo ao chão de granito do Anhangabaú. Num ato de desespero, estendeu os braços agarrados às placas e elas inesperadamente o salvaram. Eram como asas, e ele fazia ali, sem querer, seu vôo inaugural de celebridade, assunto principal no noticiário da tevê. Deixou a vida nas ruas e ganhou os ares. Primeiro achou que seria útil no trânsito. Ajudava velhinhas a atravessar a rua, fazia as vezes de ambulância, levava feridos até o hospital. As crianças apontavam: “homem-placa, homem placa”, e se abalavam para acompanhá-lo do chão, ele lá em cima encabulado em seu sonho de quem descobre novas proezas. Depois, mais confiante, voltou-se para missões mais arriscadas. Pairava sobre seqüestros, assaltos e tiroteios, pronto para o rasante salvador. Apenas na madrugada, saudoso de outros tempos, ousava descansar sentado no ant
Será um verão radiante. Teremos celebrações acaloradas, grandes mesas repletas de comida, brindes aos quais responderemos sem pensar. O abraço pronto para ser deflagrado, lágrimas nos cantos dos olhos que teimaremos em esconder. Dormiremos abraçados a inebriantes lembranças, certos de que, ao despertar, não faltará amor. Teremos virtudes corrompidas, perigosas indulgências. Reputações cairão por terra, amizades serão destroçadas. Mas ainda assim prevalecerá o amor. E haverá gestos mesquinhos, ressentimentos familiares, mais uma briga com o vizinho, a recusa de uma esmola. E mesmo que não seja evidente, haverá amor. A mulher descobrirá que nutre o mais profundo desprezo pelo marido, enquanto ele leva pelo braço a criança embevecida até o mar. Contudo, ao ritmo das ondas que lamberão seus pés, não faltará amor. Alguém cometerá um crime hediondo, logo estampado com gosto nas capas dos jornais. Então homens e mulheres, cheios de rancor, clamarão por vingança e justiça cega para o a
Em 1990, o Paul McCartney resolveu finalmente vir para o Brasil (depois virou festa e ele agora não sai mais daqui). E já chegou em grande estilo, Maracanã pra 200 mil pessoas e tudo. Durante muito tempo, foi o recorde de público mundial. Juntamos umas economias, eu e o primo, e fomos pro Rio de Janeiro de busão. Lembro da alegria ao retirar o ingresso dias antes, num posto de combustível, parceiro da turnê. Aquele show foi um acontecimento desde o começo. Teve fã que comprou duas entradas e guardou uma como suvenir. A viagem – minha primeira para o Rio – foi um perrengue. O Cometa quebrou na Dutra. Esperamos um tempão na estrada até chegar outra condução. Depois, para economizar, fomos a pé da rodoviária até o estádio. Naquela correria, nem deu tempo de ir no banheiro. Quando as luzes apagaram e o Paul atacou Jet, meu primo não teve dúvida: se aliviou ali mesmo. Duvido que o sujeito que levou o jato de urina à frente dele tenha notado alguma coisa, no meio daquela comoção. Acho que
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